Marx e Engels e a Revolução Alemã de 1848
O cenário europeu já anunciava grandes irrupções políticas quando Marx e Engels redigiram o Manifesto do Partido Comunista. Em 1846 havia ocorrido a insurreição polaca, em 1847 tínhamos a vitória dos cantões democráticos na guerra civil suíça. Nesse mesmo ano teriam início as agitações políticas nos Estados Italianos contra a dominação dos austríacos. Em dois países o clima político estava bastante radicalizado: na França e na Prússia.
Na Alemanha os anos de 1844-46 foram marcados por uma séria crise agrária (péssimas colheitas e enfermidade das batatas). À crise agrária somou-se a crise comercial e industrial que havia sido iniciada na Inglaterra em 1847.
O aprofundamento dessa crise econômica fez aflorar o antagonismo entre a maioria da nação (burguesia, pequena-burguesia, camponeses e o proletariado) e o regime monárquico absolutista reinante na Prússia, na Áustria e em outros Estados alemães. Neste quadro a burguesia liberal se constitui como a principal força de oposição. Mas, seus objetivos eram bastante limitados e sua postura vacilante.
A burguesia desejava apenas a instauração de uma monarquia constitucional que lhe possibilitasse ter maior influência sobre o poder político. Pretendia alcançar este objetivo sem grandes convulsões sociais. Nesta época já lhe assustava o poder demonstrado pela jovem classe operária alemã. As condições sociais em que se desenvolvia a revolução alemã seriam bastante diferentes das que existiam na França em 1789.
Nos seus primeiros meses o processo revolucionário alemão ainda parecia seguir os passos de seu antecessor francês. No início de 1847, o rei da Prússia Frederico-Guilherme IV, buscando conseguir novos empréstimos da burguesia para socorrer o Estado falido, convoca a Dieta Unida (Parlamento).
O próprio Engels previu aí o início de um conflito que poderia obrigar a burguesia a tomar uma posição revolucionária. “Há chegado o momento, afirmava Engels, de a burguesia arrebatar a direção do país a um rei imbecil, uma nobreza impotente e uma burguesia arrogante”.
As previsões se Engels pareciam que iam se realizar. A burguesia recusa-se a aprovar o empréstimo à coroa sem a garantia de que seria elaborada uma nova constituição com a sua participação. Em junho o rei rejeita tal proposta e dissolve a Dieta Unida barrando a possibilidade de uma transição pacífica para um regime constitucional burguês.
Mas, a burguesia alemã vacilava em tomar medidas mais radicais contra a Coroa. Seria e revolução francesa de fevereiro de 1848 que iria impulsionar os acontecimentos na velha Alemanha.
A construção da tática e da estratégia marxista
Já no Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels indicavam a tática a ser adotada pelos operários e comunistas alemães diante da revolução que se aproximava. Afirmava o Manifesto: “Na Alemanha, o Partido Comunista luta de acordo com a burguesia, todas as vezes que ela age revolucionariamente, contra a monarquia absoluta e a propriedade rural feudal”.
Mas a defesa de uma ação política conjunta com a burguesia não deve levar os comunistas a esconder suas críticas às posições vacilantes e conciliatórias da sua aliada. Neste período Marx trava uma acirrada polêmica contra as tendências esquerdistas, até mesmo dentro da própria Liga Comunista.
Na Alemanha a corrente pseudo-esquerdista, denominada de “verdadeiro socialismo”, concentrava os seus ataques justamente ao liberalismo, às liberdades democráticas burguesas, defendendo que os trabalhadores não deveriam participar desses movimentos nos quais nada poderiam ganhar. Estas posições, aparentemente radicais, faziam o jogo da monarquia absolutista e da reação alemã; por isso Marx e Engels desfecharam duras críticas contra elas.
Em setembro de 1847, respondendo aos “socialistas verdadeiros”, Marx escreveria:
“O proletariado não se pergunta se o povo é um assunto de primeira ou de segunda ordem para o burguês (…) A questão consiste em que lhes proporciona mais meios para a conquista de seus próprios fins: o regime político de dominação da burocracia ou o regime ao qual aspira os liberais, de dominação da burguesia. Basta comparar a situação do proletariado (…) para convencer-se que a dominação da burguesia não só põe nas mãos do proletariado armas completamente novas para a luta contra a mesma burguesia, mas também lhes cria uma situação totalmente nova: seu reconhecimento como partido” (Claudin, 1985:36).
Para Marx e Engels a aliança entre o proletariado e os setores da burguesia liberal, que se organizavam no partido democrático, era essencial. Em outubro de 1847 escreveria Engels:
“Onde a democracia não haja sido conquistada, os comunistas e os democratas lutam lado a lado, e os interesses dos democratas são também os interesses dos comunistas. Até esse momento as divergências de ambos partidos têm um caráter puramente teórico (…) sem prejuízo algum para as ações comuns” (Idem, ibidem: 38).
As revoluções de 1848 e a Alemanha
Depois de atingir a França a Revolução se espalha pela Europa. Em março eclodem insurreições populares em Viena, que derrubam o odiado Metternich; em Roma, onde é proclamada uma constituição liberal; em Veneza, onde é proclamada a república; em Milão, contra as tropas de ocupação austríacas. Ainda em março inicia-se a revolução nacional na Itália e na Hungria. Em abril a agitação chega à Inglaterra quando a direção cartista organiza uma grande marcha até o parlamento para exigir o atendimento às reivindicações contidas na “carta do povo”.
Em 18 de março a revolução chega à Prússia e obriga Frederico-Guilherme IV a fazer uma série de concessões e promessas liberais. Em todos Estados alemães a pressão popular vai arrancando concessões da aristocracia. Forma-se uma Assembléia Nacional Constituinte, que se reúne em Frankfurt, cujo objetivo é constituir um Estado unitário e constitucional na Alemanha.
Logo após a revolução de fevereiro na França aumentaram as divergências no seio dos revolucionários alemães emigrados em Paris. Uma parte defendia a organização de uma “legião revolucionária” para invadir a Prússia e libertá-la do jugo absolutista. Marx e Engels se opõem energicamente a esta idéia e defendem que os comunistas deveriam retornar individualmente à Alemanha ou se incorporar à luta do proletariado francês que estava prestes a realizar a sua revolução. Marx e Engels, então, passaram a ser acusados de covardia e traição à revolução e de “dedicarem-se a ensinar economia política aos operários quando se tratava de ensinar-lhes o manejo das armas” (Idem: 81).
Para instrumentalizar os militantes revolucionários que voltam para a Alemanha, Marx e Engels elaboram para o Comitê Central da Liga Comunista uma proposta de plataforma política: “Reivindicações do Partido Comunista na Alemanha”. Era uma adaptação do Manifesto à situação da revolução burguesa na Alemanha. A primeira reivindicação estampada no documento era: “Toda Alemanha será declarada uma república una e indivisível”.
Esta era uma das principais tarefas da revolução que se desenvolvia na Alemanha, que até aquela época não passava de um aglomerado de mais de três dezenas de Estados autônomos. Entre eles se destacava a Prússia e a Áustria. A unificação alemã era uma das condições para a unificação do proletariado e sua constituição enquanto classe nacional.
As “Reivindicações do Partido Comunista na Alemanha” se constituíram como o primeiro programa concreto do proletariado na revolução democrática burguesa. Elas articulavam as bandeiras nacionais, democráticas e populares.
Em abril, logo no início da revolução, Marx e Engels se transferem para Colônia, capital da Renânia, para acompanhar de perto os acontecimentos revolucionários em sua terra natal. Uma das primeiras medidas seria editar o jornal Nova Gazeta Renana como “órgão da democracia”, e não como órgão do Partido Comunista Alemão.
Outra medida polêmica de Marx e Engels foi a de ingressar na Associação Democrática de Colônia e fortalecer a ala esquerda do Partido Democrático que era composta por elementos radicais da burguesia liberal, da pequena-burguesia e do proletariado alemão. Isto lhes custariam duras críticas de alguns membros da Liga Comunista residentes no exterior.
Engels mais tarde, em 1884, justificaria as posições tomadas em 1848:
“Os operários alemães tinham de conquistar, antes de tudo, os direitos que lhes eram indispensáveis para organizar-se de modo independente, como partido de classe. (Por isso) quando fundamos na Alemanha um grande periódico, nossa bandeira não podia ser outra senão a bandeira da democracia; porém uma democracia que destacava sempre, e em cada caso concreto, o caráter especificamente operário que ainda não podia estampar de uma vez para sempre em seu estandarte. Se não houvéssemos procedido desse modo, se não houvéssemos aderido ao movimento, incorporando-nos àquela ala que já existia, que era a mais progressista e que, no fundo, era uma ala proletária, para impulsioná-la para frente, não nos teria sobrado outro remédio senão pormos-nos a predicar o comunismo em algum jornalzinho local e fundar, em vez de um grande partido de ação, uma pequena seita. Porém o papel de pregadores no deserto não nos caia bem; havíamos estudado demasiados bem os utopistas para cair nisto. Não era para isso que havíamos traçado nosso programa” (Marx e Engels, s/d: 146).
Para Marx era preciso romper com o doutrinarismo e os esquematismos no processo de construção de uma estratégia e de uma tática revolucionária para o proletariado. As posições de Marx e Engels, expressas através da Nova Gazeta Renana, exerceriam uma grande influência sobre a esquerda do Partido Democrático. Unidade e luta na Frente Democrática Alemã
Imediatamente após a revolução de março de 1848 na Prússia as críticas de Marx e Engels se dirigem cada dia mais contra as posições vacilantes da burguesia e de seus representantes nas assembléias surgidas após a revolução: a Assembléia Nacional Constituinte alemã reunida em Frankfurt, e a Assembléia Nacional prussiana.
Afirma Engels, através das páginas da Nova Gazeta Renana:
“Desde há 15 dias a Alemanha tem uma Assembléia Nacional Constituinte emanada do voto conjunto do povo alemão (…) Desde o seu início deveria tomar as medidas necessárias para defender a sua base revolucionária, para pôr as conquistas da revolução ao abrigo de todos os ataques. A Assembléia já teve uma dezena de sessões e não fez nada disso” (NGR, 1º-06-1848; In Claudin, 1985:96).
A Assembléia Nacional deveria assumir imediatamente todo o poder na Alemanha e estabelecer uma República unitária e indivisível. Mas em vez disso deixava que os governos reacionários continuassem atuando contra ela.
As críticas de Marx e Engels se dirigiam principalmente contra a política adotada pela grande burguesia, especialmente por seu maior representante Camphausen. O principal objetivo dessa corrente burguesa era estabelecer um pacto com a Coroa. O próprio Camphausen afirmaria: “nós temos nos posto diante da dinastia como um escudo e temos desviado sobre nós todos os perigos e todos os ataques”.
A política conciliatória de Camphausen favorecia as forças conservadoras, por isso deveria ser criticada. Portanto, a luta contra o chamado pactismo adquire uma importância decidida na tática comunista. Era preciso reforçar os laços com a pequena burguesia democrática e pressionar a burguesia pelo rompimento de sua política conciliatória.
No entanto, mesmo na luta contra a política de conciliação da burguesia liberal, Marx e Engels não se deixavam cair na tentação esquerdista de considerar a burguesia liberal conciliadora igual a monarquia absoluta. Por isso mesmo tentaram a todo momento aproveitar-se de toda e qualquer contradição que pudesse surgir entre essas duas forças.
Em 16 de setembro a Assembléia Nacional de Frankfurt ratifica o armistício com o governo conservador da Dinamarca sacrificando territórios alemães que lutavam por sua independência. No dia seguinte as associações democráticas e operárias de Frankfurt realizam uma insurreição contra este ato de traição à revolução. Depois de várias horas de combate os insurretos são derrotados.
Em Viena, no mês de outubro de 1848, também eclode uma revolta popular em defesa da revolução nacional húngara e contra a intervenção militar austríaca. A revolta também é esmagada. Mesmo a esquerda parlamentar não toma medidas mais efetivas em apoio aos insurgentes e se limita a aprovar moções de apoio.
Após a vitória da contra-revolução em Viena o rei da Prússia demite o ministério liberal. Diante do protesto do Parlamento o rei dissolve a Câmara de maioria liberal-burguesa. A burguesia não conseguiu esboçar qualquer reação contra o avanço da reação na Prússia.
Esses acontecimentos levam Marx a fazer uma alteração no seu esquema tático. Ele passa a concentrar maior atenção nas associações operárias que estava surgindo e se fortalecendo na Alemanha.
Na primeira quinzena de abril de 1849 Marx e seu grupo renunciariam às suas funções no Partido Democrático da Renânia e buscariam se unir às associações operárias da região e constituir uma única organização. Justificaria Marx: “Consideramos (…) que uma ligação mais estreita das associações operárias é preferível porque estão compostas de elementos mais homogêneos” (Idem, 15-04-1849; In Idem, ibidem: 203). A Associação Operária dirigida por Marx, por sua vez, também se retiraria da Federação das Associações Democráticas e se filiaria à Associação Operária Alemã.
Marx achava que já era o momento de passar para uma nova etapa da formação do Partido operário alemão. A experiência revolucionária pela qual passou o proletariado alemão já permitia esse novo e decisivo passo. Nesse momento educativo a Nova Gazeta Renana havia desempenhado um grande papel.
Essa alteração da tática não muda a compreensão que Marx tinha da revolução alemã e de quais inimigos deveriam ser derrotados num primeiro momento. Após a dissolução do Parlamento prussiano o rei da Prússia outorgou uma nova Constituição que manteve ainda alguns poucos mecanismos democráticos conquistados pela revolução de março. Em janeiro de 1849 são convocadas novas eleições para a Assembléia Nacional prussiana. No entanto, as associações operárias são proibidas de apresentar candidatos próprios.
Marx então apresenta a proposta de participar ativamente das eleições e apoiar os candidatos democráticos. Esta proposta encontra uma dura resistência por parte de representantes da Associação Operária de Colônia e da própria Liga Comunista. Numa reunião da Associação Operária, realizada em janeiro de 1849, Marx responde as críticas esquerdistas:
“Não se trata, por agora, de atuar no plano dos princípios e sim nos opormos ao governo, ao absolutismo e ao regime feudal, o qual está também ao alcance de simples democratas, e dos que se chamam liberais, que tão pouco estão satisfeitos (…) com o atual governo. É preciso tomar as coisas como elas são. Posto que no momento é preciso opor-se o mais possível ao absolutismo atual, uma vez estando claro que nas eleições não se pode levar o trunfo de nossa posição de princípio, o senso comum exige que unamo-nos a outros partidos, igualmente de oposição, para impedir a vitória de nosso inimigo comum, a monarquia absoluta” (Idem, ibidem:190).
Ainda em janeiro de 1849 Marx se vê obrigado a defender as suas teses contra um jornal liberal-conservador de Colônia que, buscando isolar os comunistas dos democratas burgueses, afirmaria que “só existiria duas opções para a burguesia: ou aceitar a Constituição monárquica outorgada ou aceitar a “República vermelha”.
Marx desmascara a manobra reacionária afirmando que a verdadeira escolha da burguesia liberal era entre“ o antigo absolutismo com um sistema estamental renovado ou um sistema representativo burguês (…) Não se trata em absoluto de uma luta contra as relações de propriedade burguesa. Trata-se, pelo contrário, da luta contra uma constituição política (…) que põe em perigo as relações de propriedade burguesa, ao confiar o timão aos representantes das relações de propriedade feudal, ao rei de direito divino, ao exército, à burocracia, aos senhores rurais, a alguns barões das finanças e alguns burgueses ligados a eles” (NGR, 21 e 22-01-1849; In Idem, ibidem: 191).
Em outra oportunidade Marx reiterará:
“somos indubitavelmente os últimos a querer a dominação da burguesia (…) Porém nós dissemos aos operários: antes de voltar a uma forma social caduca vale mais apenas sofrer na sociedade burguesa moderna, cuja indústria cria os meios materiais necessários para a fundação de uma sociedade nova que os libertará a todos” (Idem 11-02-1849; in Idem, ibidem: 192).
Os comunistas não inventavam as condições em que se dariam os combates de classe, eles deveriam levar sempre em conta a situação existente. Na construção de uma política revolucionária os operários deveriam se desprender do idealismo que levaria às práticas voluntaristas que não corresponderiam à realidade e portanto só poderiam conduzir à derrota do movimento. Em editorial da NGR de 18 de fevereiro de 1849 Marx afirmaria:
“Gostamos de posições claras (…) quando se trata de combater “o governo em exercício” nos aliamos inclusive com os nosso inimigos. Aceitamos como fato existente a oposição prussiana oficial, tal como ela é, saída das lamentáveis condições da civilização alemã, e por isso no curso da campanha eleitoral temos deixado em um segundo plano nossas próprias concepções” (Idem, ibidem: 192).
Marx sabia que se conseguisse eleger uma grande bancada parlamentar oposicionista, ainda que não revolucionária, seriam criados mais obstáculos para implementação dos planos contra-revolucionários da monarquia. As conclusões de Marx estavam corretas e a oposição acabou fazendo uma expressiva bancada no parlamento prussiano. Em Colônia a oposição democrática conseguiria 2/3 das cadeiras parlamentares.
Assim Marx e Engels davam uma demonstração cabal de como, na elaboração de uma tática
revolucionária para o movimento operário, pode se manter os princípios comunistas adotando táticas amplas e flexíveis.
As posições de Marx e Engels, novamente, lhes valem duros ataques da extrema-esquerda alemã dirigidos por Gottschalk. Este rompe com a Associação Operária presidida por Marx e funda um jornal sectário chamado Liberdade e Trabalho no qual anuncia uma luta sem trégua “contra todos os partidos, desde o partido da Nova Gazeta Renana até a Nova Gazeta Prussiana”. Este último, órgão da reação monárquica.
Em 25 de fevereiro Gottschalk publica uma carta aberta “ao senhor Carlos Marx”, na qual contesta suas teses centrais. Afirma a carta-aberta:
“Para que, então, a revolução? Por que nós, gente do proletariado, vamos derramar nosso sangue, se para escapar do inferno medieval temos que nos precipitar voluntariamente – com você senhor profeta nos anuncia – ao purgatório de um capitalismo decadente, a fim de poder alcançar o nebuloso céu do vosso credo comunista?” (Idem, ibidem: 192).
A carta defende de maneira inconseqüente a realização imediata de uma revolução proletária na Alemanha.
A derrota da Revolução Alemã
No final de março de 1849 a Assembléia Nacional alemã de Frankfurt havia promulgado uma Constituição que deveria servir de base institucional para o Estado alemão unificado. O documento mantinha a monarquia como forma de governo e uma ampla autonomia para os governos locais. Duas propostas que Marx e Engels haviam criticado duramente no início da revolução alemã. O primeiro item de suas “Reivindicações” era justamente a defesa da “República una e indivisível”.
Mas, num contexto marcado pelo avanço da reação, a nova Constituição do Reich parecia ainda como um último suspiro da revolução de março e portanto deveria ser defendida. Além do mais ela estabelecia a unidade alemã, a grande reivindicação do movimento revolucionário, e estabelecia alguns mecanismos de controle democrático do poder imperial. Mesmo esta Constituição limitada não agradou o rei da Prússia e nem a nobreza feudal que a condenaram.
A Assembléia de Frankfurt designa como imperador do novo Reich alemão o próprio Frederico-Guilherme IV que rechaça a coroa dada por uma assembléia de base plebéia. No entanto o parlamento prussiano, contra a vontade do monarca , reconhece a nova Constituição e atrai sobre ela a ira conservadora. Em 27 de abril é mais uma vez dissolvido.
Em resposta a essa insolência da revolução monárquica, manifestações revolucionárias eclodem por toda a Alemanha em defesa da Constituição. Inicia-se em Dresden, capital da Saxônia, onde dura 4 dias. Seguem-se revoltas populares em Elberfeld, Iserlohn e Düsseldorf. O movimento revolucionário atinge também o Palatinado e Baden. Novamente os exércitos prussianos esmagam essas insurreições democráticas depois de mais de um mês de duros combates.
A Assembléia de Frankfurt seria incapaz de tomar a frente dessas lutas e unificá-las. Diante do avanço das tropas prussianas ela recua desordenadamente de cidade em cidade aprovando moções e revoluções que ninguém levava mais a sério.
À vitória da reação na Alemanha seguem-se uma dura repressão ao movimento democrático e socialista. Engels, que havia participado da luta armada, é obrigado a fugir de Colônia para escapar de uma ordem de prisão. Marx é expulso da Alemanha e a Nova Gazeta Renana é obrigada a fechar. O seu último número sai em 19 de maio de 1849. Recordará Engels: “Tivemos que entregar a nossa fortaleza, mas nos retiramos com armas e bagagens ao som do tambor e com a bandeira desfraldada do último número em vermelho” (Fedosseiev, 1983: 241).
Ao fazer o balanço da revolução alemã em uma série de artigos, organizados sob o título geral de “A burguesia e a contra-revolução”, Marx explica que a posição capitulacionista da grande burguesia estava ligada às particularidades do desenvolvimento do capitalismo na Alemanha que reduziria dia a dia as diferenças de classes existentes entre a grande burguesia e a nobreza enriquecida. Isso possibilitou a construção de um acordo que permitiu que a burguesia dividisse o poder político com a nobreza sem a necessidade de uma revolução cujo desfecho seria imprevisto diante do crescimento da força do movimento operário.
A crise da Liga dos Comunistas
Neste período vários membros da Liga, como Schapper, advogavam a idéia de que a tarefa imediata da revolução alemã era a conquista do poder político pelo proletariado e para isso bastava que os revolucionários realmente o desejassem. Marx rebateria estas teses afirmando:
“Em lugar da concepção materialista do Manifesto se promove a idealista. Em lugar de relações reais, que é o essencial da revolução, se põe a vontade. No entanto nós dizemos aos operários: talvez seja necessário ainda por 15, 20 anos de guerra civil para mudar as condições atuais e capacitá-los para a dominação, eles dizem: temos que conquistar agora mesmo o poder e poderemos ir dormir. Da mesma maneira que o democrata utiliza a palavra "povo” se utiliza a palavra “proletariado”: como frase vazia” (Claudin, 1985: 232).
O conflito entre os dirigentes da Liga em Londres e na Alemanha se torna incontornável e acaba em ruptura. A organização londrina decide expulsar Marx e Engels e eleger uma nova direção. A expulsão foi justificada diante da “necessidade de restabelecer uma sólida organização da Liga, afim de que na iminente revolução proletária na França e na Alemanha não só se crie uma oposição e se editem gazetas (…) e sim que o proletariado tome as coisas em suas mãos e alcance o poder, porque se isto não ocorre a culpa será nossa” (Idem, ibidem: 233).
A Liga dos Comunistas estava definitivamente dividida em duas. Uma em Londres dirigida por Schapper e a outra em Colônia dirigida por Marx e Engels. Mas logo a Liga de Colônia seria atingida duramente pela repressão policial.
Em maio de 1851 são detidos alguns membros do Comitê Central da Liga Comunista na Alemanha e têm início o Processo de Colônia que termina com a condenação de vários dirigentes da organização o que na prática impede a sua continuação. Em novembro de 1852, a Liga é dissolvida. A Liga Londrina também tem duração efêmera. Encerra-se assim mais uma bela página da história do movimento operário e socialista internacional.
* Historiador e doutorando em Ciências Sociais na Unicamp.
Notas
CLAUDIN, Fernando. Marx y la Revolucion de 1848. Siglo Veintiuno, 1985.
FEDOSSEIEV, I. A. et alii. Karl Marx – biografia. Lisboa: Progresso e Avante, 1983.
MARX & ENGELS. Obras escolhidas, vol. 2 e 3, São Paulo: Alfa-Ômega, s/d.
EDIÇÃO 54, AGO/SET/OUT, 1999, PÁGINAS 52, 53, 54, 55, 56, 57