As elites descobriram a pobreza, que a oposição já conhecia. Do presidente do Congresso brasileiro, senador Antônio Carlos Magalhães, às agências internacionais como o Banco Mundial ou o FMI, formou-se um coro monocórdio – acompanhado com fanfarras pela imprensa da burguesia, com palavras há muito usadas para a denúncia dos males provocados pelo capitalismo.

Os números são fortes. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento expôs as mazelas que o programa neoliberal provocou.

A crueza desse balanço feito dez anos depois da transição capitalista no Leste europeu, por exemplo, não foi devidamente valorizada porque a imprensa do grande capital não quis comprometer a própria propaganda terrorista que faz contra qualquer alternativa de desenvolvimento que coloque em risco o capitalismo.

Quando se comemoram os 50 anos da Revolução Chinesa e sua luta para superar o atraso, ampliar a riqueza do país e construir um futuro socialista (tema de capa desta edição), é preciso insistir na tragédia descrita pelos números do relatório da ONU. Ao contrário do que ocorre na China, o revisionismo soviético representou o abandono da via socialista e o resultado é o caos e a miséria. Só na Rússia e na Ucrânia morreram 9,7 milhões de pessoas. Quando a calúnia burguesa acusa os antigos regimes socialistas de mortíferos (recentemente, um relatório propagandístico divulgado na França, o Livro negro do comunismo, falsificou as estatísticas para alcançar uma cifra absurda de mortos), é preciso refletir sobre o significado destes 9,7 milhões de vítimas da volta ao capitalismo que, em dez anos de desenvolvimento “pacífico”, matou quase a metade dos 22 milhões que o invasor nazista exterminou na URSS em plena Segunda Guerra Mundial.

A opressão capitalista se traduz em aumento da pobreza também nos Estados Unidos. O relatório Fome 97: os fatos e as faces, da Second Harvest, a principal organização norte-americana de ajuda alimentar aos pobres, mostra que, no ano da pesquisa (1997), 26 milhões de norte-americanos (cerca de 1 em cada 10 americanos) dependeram pelo menos uma vez de ajuda para se alimentar. Outra pesquisa, feita pelo Banco de Alimentos de Boston, mostra que, em 1997, uma em cada três famílias norte-americanas teve de escolher entre comprar comida ou pagar o aluguel ou a prestação da casa! Isso na pátria do capitalismo, no país mais rico jamais criado pela história humana.

No Brasil, cerca de 1,5 milhão de ricos (400 mil famílias) tem mais da metade da riqueza privada do país (1,1 trilhão de dólares, num volume de 2 trilhões de dólares). Essas famílias têm, em média, uma renda anual de 450 mil dólares e uma riqueza familiar de 2,7 milhões. O resto da população brasileira – formada por 159 milhões de pessoas, ou 39,5 milhões de famílias – fica com o que sobra, com uma renda média anual de 16 mil dólares, e uma riqueza média de 25 mil. Isso significa que os ricos têm 25 vezes mais renda e 110 vezes mais riqueza que os pobres*.

O debate sobre a pobreza está mal colocado. Discutem-se formas para acabar com ela, quando o verdadeiro tema é outro: é possível acabar com a pobreza sob o capitalismo? Não. O crescimento da pobreza faz parte da natureza do sistema capitalista. A concentração de riquezas num pólo e de pobreza noutro é seu traço característico, já apontado por Marx há mais de 100 anos. O capitalismo faz crescer a riqueza, reproduz o capital e, simultaneamente, aumenta o número de trabalhadores "cuja miséria está na razão inversa a seus tormentos no trabalho", diz em O Capital.

* Os dados são do artigo “Números da desigualdade e pobreza no Brasil”, de José Carlos Pereira Peliano, em www.oficinainforma.com.br

EDIÇÃO 55, NOV/DEZ/JAN, 1999-2000, PÁGINAS 3