Amanheceu claro o dia de nossa tormenta.
Não corria pelo céu nenhum prenúncio,
qualquer sinal ou presságio.
O tempo transcorreu tempo comum,
ordinário,
feito de pequenas rotinas e algum trabalho.
Fomos ao shopping, ao mercado;
corremos avenidas em busca de outros bairros
e nosso passado;
almoçamos o feijão de todos os dias,
sem salada, sem angústias – como um estágio,
uma estação, um promontório onde aguardássemos o inevitável 
                                                                                             [e necessário.

Depois nos separamos. Colhemos de outras bocas o fel de nossas desavenças. Amassamos nosso cotidiano em mesas de bar, diante de amigos, e não nos reconhecemos. Alimentamos nossas diferenças até o ápice da divergência. Acusamos o mundo e as faltas de cada um. Quebramos a louça, fizemos a partilha dos livros, negociamos os discos, os móveis.

Na gordura da cozinha, ainda repousam,
acumuladas,
as setenta infidelidades de nossa memória.