Lição da míngua transplantada

       Na Amazônia, o estado precedeu à sociedade. Que sociedade? Se o estado foi o Maranhão e Grão-Pará (1621), a sociedade seria o pequeno ajuntamento de enganados nos Açores e outros pobres lugares pela falsa propaganda de um certo capitão Simão Estácio da Silveira (Relação Sumária das Cousas do Maranhão, 1618) dirigida aos pobres de Portugal. A pobreza encheu o navio do capitão como mão de obra barata.

 
Revolta do bom selvagem

      Os iludidos dos Descobrimentos depois de atravessar o Mar-Oceano descobriram a mentira. Viram-se no mato sem cachorro. Passaram a oprimir e a escravizar índios como último recurso da salvação. Ignorantes do novo os pobres do velho mundo não sabiam com quem estavam metidos: os ditos “índios” eram antropófagos crentes de uma “terra sem males” procurada através de males sem fim. Supostamente, a ser achada no mítico Araquiçaua, lugar mágico que pareceria se deslocar a cada dia para  mergulhar no imenso rio das Amazonas… Era o ambicionado sítio onde o sol, ao fim do dia, desce à terra e ata sua rede para dormir embalado pelos sons da Primeira Noite do Mundo… Lugar onde não há fome, trabalho escravo, doença, velhice e morte: por isto, depois de muitas jornadas tormentosas, os Tupibambá tinhm se deslocado em direção ao pouso do sol desde que se convenceram da impossibilidade de atravessar o Oceano. O capitão se acaso sabia, se esqueceu de avisar que o Bom Selvagem em sua violentíssima busca da Utopia selvagem, não nasceu para ser lambaio de ninguém… 

 
Música da pancada

      Apenas um ano após a chegada do carregamento de pobres esperançados de riqueza fácil, o pau cantou! O pau cantar quer dizer ouvir-se o batuque da cacetada, que era o costume dos tupinambá quebrar cabeças aos inimigos. Era o ano da desgraça de 1619. A revolta partiu da aldeia Cumã (MA) como uma flecha. Ofendido pelos turbulentos filhos do capitão-mor Jerônimo de Albuquerque, o cacique e pajé Pacamão roubado de sua mulher mais nova e do porantim, com o qual quebrou cabeças e matou inimigos, marchou com seus bravos sedento de sangue e  vingança contra os brancos; trucidaram logo uma centena de pobres portugueses. A revolta se alastrou ao Grão-Pará onde o cacique Guamiaba [“Cabelo de Velha”] atacou o forte do Presépio, no dia 7 de janeiro de  1619… Por estranha coincidência, 216 anos depois deste assalto ao Forte, na mesma data de 7 de janeiro deu-se o grande assalto dos Cabanos a Belém: nunca houve “cabanas” na paisagem social amazônica, mas cabanos eram moradores de barracas de palha à beira rio. Descendentes de índios, pretos e de pobres brancos deportados pela pátria madrasta. Logo, da zanga de Pacamão à revolta dos Tupinambá levou poucos dias, do assalto do Forte Presépio à Cabanagem dois séculos: quando mais reprimida a revolta mais violenta a vingança dos oprimidos…

 
A teoria do milagre

      Por sorte da história, Guaimiaba foi abatido por tiro certeiro já dentro dos muros da Fortaleza: se ele prosseguisse em sua fúria numerosos guerreiros o seguiriam e não sobraria um só civilizado para escrever a notícia. Mas, os índios vendo seu murubixaba caído ao chão se dispersaram em fuga para dentro do mato… Foi um erro fatal para eles. Os portugueses refeitos do susto armaram-se e sairam em perseguição dando banho de sangue sem trégua. Do Maranhão veio outra frente e os dois lados fecharam-se no rio Gurupi cometendo uma das maiores carnificinas da Amazônia. Nesta sanha assassina notabilizou-se particularmente Bento Maciel Parente… A incerta amizade entre os tupinambá e os Peró (“papagaio”, como os índios apelidaram os lusos) tinha pouco tempo, algo como dez anos desde o cristão-novo Martim Soares Moreno ter tomado mulher na família do tuxaua Jacuúna, de Jaguaribe (Ceará). O resto foi uma longa inimizade desde Piratininga (São Paulo) e Guanabara (Rio de Janeiro). A História do Brasil não dá muita importância a isto, mas se pode  compreender que sem arcos e remos dos Tupinambá os portugueses não teriam se estabelecido no Pará. Os lusos tinham horror aos tupis, mas não tinham meios de ocupar o grande e cobiçado rio. Quem não sabe precisa saber que a religião dos Tupinambá era a vingança e a guerra… Portanto, é difícil explicar como inimigos tão rancorosos terminaram por unir suas forças na conquista do rio das Amazonas. Diante da dificuldade, nossos historiadores adotaram a teoria do milagre.

 
As prédicas de frei Cristóvão de São José

      Desinteressados de estudos etnológicos e outras ciências do Homem, nossos historiadores embalaram-se no milagre de Santo Antônio em favor das armas luso-brasileiras no rio das Amazonas. No Rio de Janeiro, São Sebastião já tinha dado uma mãozinha a Estácio de Sá e toda a velha história de Portugal é um grande milagre. Todavia, estadistas não têm chance de firmar jurisprudência na ONU e outros foros internacionais sobre base maravilhosa e tão querida a brasileiros e aos irmãos portugueses. Sobretudo, quanto se trata de discutir direitos sobre a cobiçada Amazônia disputada pelo bem da humanidade. Destarte, será melhor alguma alternativa ao milagre do santo que deu nome ao forte Santo Antônio de Gurupá (1623) e a incrivel conversão dos vingativos tupinambá à causa teológica da Contra-Reforma. Assunto que daria inveja à conversão do bárbaro Clóvis. Ainda mais, porque os rixentos índios não tinham curado todas feridas da revolta e repressão de 1619. Assim mesmo, em 1623 e anos seguintes, eles lutaram como diabos contra posições holandesas e inglesas… Hereges que, evidentemente, ao contrário dos lusitanos, nunca ofenderam aos bravos tupinambá. Há um mistério antropológico nisso tudo. Que se resolveria, talvez, se soubessemos de um ódio maior nutrido entre os tupinambá da Terra-Firme (continente) e os “Nheengaíba” [Nuaruak] das Ilhas…

 
Espaço vazio

      Vegetando à sombra do Forte levantado em taipa e paliçada por índios e colonizadores juntos, a Cidade do Pará na segunda metade do século XVII contava só 80 moradores, noves foras os padres, escravos e índios… Índio não se conta como morador de cidade. Por “índio” significa dizer bicho do mato autossuficiente, vivendo seus costumes fora de controle dos brancos.

 
o bicho homem e o desafio de seu ecodesenvolvimento

      Quando índio se batiza, aprende a falar língua de branco e toma nome cristão-novo, já não é mais índio. Claro, o verdadeiro nome do “índio” só os Parentes da aldeia natal sabem: é código secreto de coesao familial que liga o humano ao “centro” do mundo local… Mas porém, jamais o catecúmeno será branco nem que chova canivete… Passa a ser tapuio, doméstico. Tapuia é índio brabo, avô do caminho para a Terra sem males: inimigo de todo e qualquer invasor da terra ancestral…

 
quem conquista quem, cara pálida?

     Eram os índios uma humanidade próxima da animalidade. Todos parentes entre si e dos demais seres da natureza mãe. Viviam em número desconhecido, estimado em até 6 milhões à época da conquista: algo mais que toda a população de Portugal no mesmo tempo. Não é real a historiografia que informa terem poucos e desfalcados portugueses no Grão-Pará, diz-que, “conquistado” a enormíssima, povoadíssima e selvagem Amazônia… Sim, na verdade, nossos avozinhos portugueses colonizaram a região – sabe Deus como, fazendo das tripas coração! Já O Porto era conhecido como tripeiro… –, sob tacão de cortesãos lisboetas ávidos de dinheiro e dependentes de capital e cabedal intelectual dos negócios estrangeiros… Se Pernambuco é a nova e o Pará a feliz, nossa Lusitânia avó ficava lá no além-mar rumo ao Minho nas raias com a velha celtíbera Galiza. 
 

Outros quinhentos anos

      Tem razão o poeta pai da negritude na cátedra secular da Martinica, Aimé Cesaire; quando ele canta como oráculo da Libertação final e total do reino deste mundo: a obra do Homem ainda está só a começar!… A história propriamente dita são outros 500 anos, que ainda não foram escritos. Esta nova direção, no caso da nossa Amazônia brasileira, aponta mais depressa a fatores endógenos que levaram à autodeterminação dos marajó na escolha pró-lusa em primeiro instância para, enfim, se integrar à república federativa do Brasil no oceano da lusofonia mundial.

 
 Agora a história é diferente

      Século de conservação da Biodiversidade depois de séculos de saque e desperdício que desabonam o rídículo título do estulto Homo sapiens. Convenção Universal da Diversidade Cultural aprovada a duras penas face à arrogância congênita em vias de tratamento e cura pelo remédio da serenidade de populações tradicionais: a nova história será aquela de raiz local com inclusão do passado ancestral dos povos da Terra desde o berço da humanidade, na mãe África: santuário de ideais sagrados donde brota a Civilização. Todo mito será considerado, mas não haverá nunca mais uma e só uma verdade abasoluta…

 
o livro das Origens em páginas avulsas no seio da Terra

      O nosso Brasil tupiniquim como muito orgulho e valor há que se reeducar na velha e boa academia do peixe-frito no extremo-norte brasileiro. Na Amazônia, a primeira pintura rupestre foi rascunho da carta de testamento do “índio” avoengo (tamuya / tapuia) escrita no barro dos princípios do mundo: a cerâmica marajoara. Sua escrita  ensinada pela mestra Bothropos marajoensis (a totêmica cobra Jararaca), senhora da vida e da morte. A qual se deve o curare e, por via de conseqüência, anestésicos utilizados em modernas cirurgias. Quem não sabe a história médico-cirúrgica da arte Terapêutica, não sabe nada! Desta maneira, fica patente o continuum no plano da biosfera entre Natureza e Cultura. O mesmo que nos índivíduos chamam de “corpo” e “mente”. A gente é a menor parcela do complexo no sistema planetário. Um lugar é a geografia humana de menor escala: com vários lugares se constrói um mundo…

 
síndrome do Império do Brazil

 
      O Brasil de amanhã e o Brazil de ontem travam hoje luta de vida ou morte. Brasil país do Futuro, país-chave do terceiro mundo. O Brasil liquida o neocolonialismo ou o neocolonialismo liquida o Brasil… E vamos nós logo dizendo que não foi só a oligarquia café-com-leite que se apossou da massa falida do Império para se tornar dona hereditária do Poder, todas províncias estão infestadas da síndrome de Petrópolis. A astúcia do Diabo é dizer que ele não existe, a de sócios e agentes da antiga colônia anglo-lusitana “independente” em 1822 consiste em fazer crer que a era de Dom Pedro se acabou… Quem dera! Se amanhã o povo brasileiro perder a Amazônia que seus antepassados inventaram na Terra dos Tapuia, vai se saber como e por quê foi ela “conquistada”. Mas, será tarde. Melhor que se saiba agora antes que o “reino das amazonas” seja descartado com a mesma miragem de um dia de viagem pelo rio da imaginação. Veja-se bem a carência daqueles doidos desertores em achar mulheres no desertão (sertão) para fundar um País no novo mundo… José de Alencar romantizou o par luso-brasileiro, Martim Soares e Iracema, a virgem dos lábios de mel… Falta  saber, em realidade, no que deu a prole de mamelucos do aventureiro cristão-novo e da índia Paraguassu de Jaguaribe, precursores da Confederação do Equador. Sem esquecer os arigós (retirantes) das secas e soldados da Borracha… A História agora vai ou racha!…

 
Circum-Caribe

      A fim de descobrir a verdadeira Amazônia há que se iniciar na arte e ciência antiga dos Pajés (sem querer nem poder praticar tal conhecimento tradicional, senão como pajelança intelectual, dizem alguns que aí a filosofia medieval de Vico não fica estranha): saber o caminho por onde a regionalização começou e se retalhou. Antigo percurso de uma gente singular que se tornou povo “marajoara” resumo de diversas eras e muita gente cujo nome se perdeu em travessia das ilhas do Caribe para Terra Firme: suas orígens remotas no bucho da Cobra grande, no oco do mundo nas funduras do Rio Negro. Desde a Primeira Noite do Mundo… Viemos a furo através do neolítico confundidos na dança do peixe (pirapuracéia) na grande família aruaque do Circum-Caribe. 
 

Visita ao interior da terra

      Isto não é cartografia cartesiana, não. É visita ao interior da terra Tapuia, comunismo pós-moderno em busca da pedra filosofal no reino da Boiúna: psicanálise caboca de gente extraída do mato a laço e dentes de cachorro… Viagem filosófica ao espaço-tempo da casa da mãe Joana. Nenhum supercomputador não poderá jamais computar todas infinitas versões da estória das mil e uma primeiras noites do mundo… Atravessamos diversas fases arqueológicas segundo a teoria da deriva, passamos à teoria autóctone e agora já se faz revisão de tudo com datações científicas supimpas. Mas não se sabe nada dos velhos segredos sutis que determinam a maior enchente das marés de sizígia ano após ano… Nunca jamais ninguém explicou a morte no verão e ressureição no inverno de um ínfimo caranguejinho da borda dos campos do Marajó… Os cabocos sabem que os brancos não sabem. Também sabem que estes não lhes ensinam a sair do laço para que os bestas fiquem confinados nos “centros! Isto é, no oco do mundo como servos da gleba. Então, arre égua! Ignorância com ignorância se paga. Destas cruzadas desinformações defendem-se os cabocos de revelar os mais fundos segredos do passado, o tempo dos – diz-que –  “indios”…

 
quem foi que disse?

      Ilha do [não de] Marajó ou Ilha Grande de Joanes [Marinatambalo, Ilha Grande dos Nheengaíbas, dos Aruans, aliás Analau Yohynkaku na língua destes últimos] – ilha do “homem malvado” (sic), imenso labirinto de rios, furos, igarapés e lagos, reduto do invencível guerrilheiro naval com sua zarabatana e setas envenenadas que lhe valeram o temido apelido – Primeira cultura complexa da Amazônia e primeiro capitulo da história do povo brasileiro no Trópico Úmido. Aquele “escritor” primitivo da pintura rupestre foi mensageiro de 12 mil anos de presença humana na paisagem cultural paleo-amazônica. Precursor do anônimo artista marajoara, este intérprete e porta-voz de um povo inteiro de passagem entre a natureza e a cultura acontecida lá pelos anos 500. Quando a civilização greco-romana declinava esta aqui se levantava nas terras baixas do novo trópico.

 
recado do índio sutil

      Um “índio sutil” (cognome do romancista Dalcídio Jurandir dado por seu camarada Jorge Amado) e o “marajoara que veio de longe” (o ítalo-marajoara Giovanni Gallo, segundo saudação póstuma proferida por Camilo Vianna, decano dos ambientalistas da Amazônia) revitalizam ruínas da memória coletiva. Com que cabocos herdeiros  podem agora sacudir a poeira do continuum milenar para levar adiante a história original da Amazônia tapuia. Da qual esta breve notícia é apenas um pálido exemplo, refeito de cacos da memória ancestral.

 
história inverossímil evita guerra impossível de vencer

      A Zeus o que é Zeus… Se o Padre Vieira não fosse íntimo de pajés, a estas horas o leitor não estaria perdendo tempo com estas letras tortas. Em compensação, o mundo não ouviria falar de uma certa Amazônia brasileira, posto que a colônia portuguesa  não teria suportado a pressão anglo-holandesa a ser desencadeada provavelmente pelo pedido de socorro dos amigos “nheengaíbas” ao ser atacados pelas forças decadentes do Pará com autorização da distante e mal informada Lisboa. É verdade  que o padre propôs entregar aos holandeses a Amazõnia a troco da devolução de Pernambuco ocupado pelo conde de Nassau. Será por isto talvez que o grande pregador decidiu-se a ser missionário e a empenhar-se a fundo para evitar a queda do Grão-Pará aberto ao contato das colônias das Guianas, através do Cabo do Norte (Amapá) e ilhas do Marajó. A controvérsia sobre o real objetivo e alcance da missão de Vieira gira, entre outras coisas, sobre a paz de Mapuá de 1659. A má vontade das elites contra a memória do Padre Antônio Vieira só é compensada quando toca a acadêmicos falar sobre estilo barroco, sebastianismo, perseguição religiosa aos judeus e Inquisição. Quando se trata de índios e escravos tudo falta de interesse acadêmico e silêncio revelador.

 
uma carta fantástica a quem não sabia ler nem escrever

      A morte de dom João IV deu asas aos colonos do Maranhão e Grão-Pará para maquinar o fim da Missão dos Jesuítas, que assumia papel do SPI ou FUNAI avant la lettre. Os homens-bons na Cãmara de Belém do Pará queriam levar guerra de cativeiro e extinção aos índios das ilhas do Marajó. Para isto, além de armas e soldados precisavam de autorização do novo rei. Portanto, tinham que inventar novos motivos além dos já sabidos. Diziam que a ocupação militar da Ilha grande seria necessária para fechar definitivamente contados da região com mercadores estrangeiros. Vieira concordando com o que se referia a evidente ameqça externa que existia, desmentiu a alegação de que o Pará teria capacidade bélica para vencer esta segunda guerra (a primeira vencida contra os estrangeiros). Ele se opõem firmemente  visto que a “ilha” na serdade, são muitas ilhas fechadas sob a floresta submeresa e muitras léguas de campos alagados num conjunto maior de que os Países-Baixos. Nesse labirinto guerrilheiros se moviam com velocidade, atacavam com flechas envenenadas e recuavam como fantasmas que não apareciam mais durantes meses internados aonde não podiam se encontrados nem molestados, pois já era a natureza que lutava a seu favor e contra o invasor.. Ademais, os portugueses não tinham mais a força temerária dos tupinambá, depois da longa campanha de 1623 até cerca de 1647. Estes bravos estavam reduzidos à sombra do Bom Selvagem. Dizimados pelas pestes, correrias aos sertões à caça de escravos e talvez já desenganados da terra mágica prometida pelos profetas Caraíbas.

 
não se explica a região pela história, mas pela geografia física e humana

      A ambição dos Jesuítas no Pará, como todos forasteiros inclusive os tupinambá; era o rio das Amazonas: Jesus dissera, “onde tens teu coração lá está teu tesouro”… Os profetas Caraíbas voltavam seus corações e mentes aonde o sol se deita (o Arakyxawa, rede do sol; portal da mítica Yvy marãye, a terra sem mal). Por coincidência, os padres confessores de índios catequizados sabiam que a chave que abre ou fecha o rio-mar é a Ilha grande do Marajó. Os cegos colonos e sertanistas, debalde a queriam vencer pela força das armas. Vieira compreendeu que os holandeses se estabeceram pacificamente (coisa que o capitão português Manuel de Sousa Dessa já havia informado à Corte, desde inícios do século), os Hereges estava ali por que tinham a amizade e segurança dos índios das ilhas. Por onde transitavam  canoas com carregamentos entre os dois grandes braços do rei dos rios através dos Estreitos de Breves. 
 

A história da amazônica cegueira

      Vieira viu-se claramente em desvantagem frente a seus desafetos, que eram muitos e  ele, como todo homem de gênio; vaidosamente substimou e não fez esforço para diminuir confiado tão-só em Deus primeiramente e depois na amizade d'el-rei de Portugal sob proteção do Pontífice Romano. Os inimigos do payaçu queriam vingar-se dos conselhos do padre contra interesses diversos, inclusive religiosos católicos rivais dos Jesuítas. Vendo-se já em perigo, Vieira arrisca-se um mirabolante plano  de paz com os invencíveis rebeldes. Para isto, os realizadores foram dois índios cativos do Convento de Santo Alexandre, no papel de José do Egito… Eram de mesma  nação nheengaíba. Vieura  levaram uma incrível carta-patente destinada aos chefes dos povos das Ilhas. Puro teatro para excitar a curiosidade dos destinatários. Em páginas de novela Vieira escreve o relato das pazes. Colocado em dúvida este ato histórico que certifica a autodeterminação do Marajó em se integrar ao estado do Maranhão e Grão-Pará, fica o fato de que  não se falou mais em assaltos a canoas na passagem do Pará ao Amazonas, com que se deslocou a fronteira de Tordesilhas que grandioso feito de Pedro Teixeira havia manifestado em 1637 e dali em diante se materilizou para sucesso de Alexandre de Gusmão, no tratado de Madrí de 1750.

 
costa-fronteira do Pará aos sertões do alto-Amazonas

      Noves fora o discurso sebastianista barroco e a controvérsia iluminista, se a Tapuya tetama (terra tapuia) não quisesse se integrar à invenção luso-amazônica, apesar de tudo; a gloriosa jornada do capitão Pedro Teixeira teria sido apenas uma excursão sem conseqüência. É fato, todavia, que onde antes não passavam gentes do Pará sem receio e peleja, já após as pazes de 1659 davam-se curso livre para todo o gigantesco vale conforme o payaçu dissera a Lisboa que a nação que tivesse a amizade e confiança desses índios ganharia acesso para o interior do continente. Não foi à-toa que se levantaram em delta os fortes do Presépio, Gurupá e Macapá na terra-firme pelas ilhargas da ilha-fortaleza formada pela própria natureza. Monjes-soldados e homens de inteligência, os jesuítas sabiam disto e puderam, então, avançar em seus objetivos e instalar a primeira missão além da linha tordesilhana, levando já batizados nheengaíbas de Mapuá, recentemente pacificada, para a outra margem na Terra Firme, na aldeia de Aricará (Melgaço). Convém saber que para um ilhano ocupar o continente é uma tentação permanente, e a gente não faz é porque não pode… Um pouco abaixo foi a vez de ocupar Aricaru (Portel) e consolidar a nova fronteira rio acima. São detalhes e fatos geográficos que falam por si, mais do que a controvérsia historiográfica sobre tratativas de Vieira com os sete caciques das Ilhas do Marajó entre a Quaresma e agosto de 1659. Não há dúvida do sucesso do plano de paz quando se sabe que colonos desesperados de ir á guerra para capturar escravos se voltaram contra os Padres e os expulsaram com ameaças dois anos depois (1661). Mesmo cenário em que Vieira escreveu e assinou a famosa carta de 29 de abril de 1659, com a qual o Santo Ofício vendo-o de volta ao Reino desamparado não perdeu tempo para metê-lo na cadeia e condenar a calar a boca.

 
O império universal anunciado da boca do Amazonas

      Vieira percebido como defensor de direitos indígenas, tratando como iguais a índios  insubmissos nos quais via, teologicamente, chance para revigorar a Cristandade corrompida pelas cortes européias e conquistadores de ultramar, desprezado no trono que ajudou a restaurar acabou tratado como traídor de interesses portugueses. Esses cristãos velhos encastelados na Inquisição não conseguiam concordar com o padre visionário. Este universalista sem contradição da história de Portugal via no índio a pedra de alicerce do reino de Jesus Cristo consumado na terra (cf. Silvano Peloso, Antônio Vieira e o Império Universal e Pe. Antônio Vieira, História do Futuro). Verdadeiramente judeu-cristão e perturbador como as primitivas comunidades da doutrina revolucionária de Jesus Cristo. A gota d'água foi a carta que saiu do tinteiro em Cametá-PA, há 350 anos completos no próximo 2009. Dizia que o trovador  popular da vila Trancoso, Bandarra (condenado pela Inquisição) é verdadeiro profeta. Quando ao pregar a restauração do Reino de Portugal a condiciona à emergência de uma nova ordem universal, onde a doutrina de Cristo daria justiça e paz ao mundo em harmonia com as demais religiões.  Sobre a nova pedra polida em figura de gente (o Índio), o payaçu arquitetava um mundo novo. Mas, íntimo dos profetas da Bíblia ele foi cego aos profetas da Terra sem mal.

 
Somos brasileiros por vontade própria!

      Há algo que os sábios não entendem: por que os tupinambá convidaram franceses a se estabelecer no Maranhão? O que estes índios ambicionavam que os Maïr (francos)  dispunham? Donde os guerreiros traziam a São Lúis prisioneiros frescamente castrados e oferecidos como escravos a colonos da France Equinoxialle? Por que os tupinambá trocaram a velha boa amizade com os franceses, para se juntar ao inimigo português numa aventura guerreira? Por outra parte, inimigos hereditários do tupi  índios do Amapá e Marajó convivem bem com holandeses durante meio século, enquanto são assaltados e escravizados pelos tupinambá a serviço dos portugueses. E logo que se lhes acena com vaga promessa de liberdade e paz aceitam correndo como algo longamente esperado… Foi assim em 1659.

 
atração atávica do Arapari sobre o extremo-norte

      À primeira notícia de independência do Brasil corremos nós a declarar adesão ao novo império. Em luta desigual, por ele derramamos sangue e enterramos nossos mortos. Em Muaná, 28 de maio de 1823 proclamamos a união do Pará ao Brasil independente… Pagamos caro nossa carta de adesão à nacionalidade brasileira. Uma farsa montada em Belém por agente inglês do Rio de Janeiro nos levou à tragédia de outubro no assassinato de duzentos paraenses nos porões do brigue “Palhaço”. Começou aí o conflito com o Império do Brazil: nós nunca quisemos nos separar, pelo contrário! Nossos ancestrais vieram de longe pelo mar das Caraíbas em busca do Cruzeiro do Sul (Arapari / Brasil). Este país é nosso! Antes mesmo que existisse o nome “Brasil”. O avenir da Amazônia brasileira depende da amazonização do Brasil. Isto é,  nos assumir como o maior país amazônico do mundo.

 
precisa-se de revolução intelectual

      Uma revolução de corações e mentes no interior dos continentes em movimento geral para o desenvovimento sustentável. Despertar o gigante Brasil com sentimento de mundo (arquétipos revelados pelo mineiro Guimarães Rosa, o baiano Jorge Amado, o gaúcho Érico Veríssimo, o marajoara Dalcídio Jurandir e tantos outros intérpretes do regional que tange o universal). Com ajuda de historiadores, filósofos e artistas pós-modernos vai-se ensaiando nova história recuperada de ruínas do passado. O que alenta despossuídos de espírito ao topar palavras ardentes como o sol.  Tais como de Ivan Alves Filho: “Eis o desafio. Que cada um de nós escreva sua própria história — esse o núcleo do novo processo civilizatório, o qual bate de frente com a alienação presente nas sociedades contemporâneas. O novo sonho só pode ser herdeiro daquilo que a Humanidade produziu de melhor. Da filosofia grega à sensibilidade dos poetas latinos. Do espírito comunitário dos povos ditos primitivos e tradicionais ao espírito de comunhão das diversas religiões. Do Renascimento, sempre novo. Do marxismo (e suas partes integrantes), que investiga as causas objetivas da exploração do homem. Da psicanálise, que investiga as razões subjetivas do sofrimento deste mesmo homem. Do sopro libertário das diversas descolonizações […]. Suavidade nos métodos e radicalidade nos objetivos”.