O conforto e os recursos da ciência médica vêm fazendo muita gente demorara na terra. Tipos preciosos honram esses dias; outros, nem tanto. Fazem o ordinário de nossa civilização. Reproduzir, acumular bens e anoitecer no esquecimento. Nem uma brisa de afeto ou canção de amor. Se muito, o ruído das travessuras. A dureza com que trataram a vida, a terra, as pessoas. Quando faltam dão ao planeta uma forma de alívio. Há gente que em poucos anos de vida enche século e até milênio. Buda, Cristo, Gandhi, Shakespeare… Nossa primeira geração de centenários não nasceu em Goiânia. Chegaram. Ajudaram a construir a cidade. Entre os que deixaram boas lembranças, pioneiros na educação, cultura artes, no tempo em que a cidade ainda se contorcia no barro, sofrendo sua angústia de alturas, recordo meu Mestre José Lopes Rodrigues. Manhãs ensolaradas da antiga Escola Técnica Federal de Goiás. Figura simples e elegante, brandamente enérgico, ensinava língua portuguesa à moçada bravia da ETFG. Veio de Almas, hoje Tocantins, começou seus estudos em Natividade, depois Barreiras e Salvador, Bahia, onde foi contemporâneo de Jorge Amado. O que dava especial brilho às suas aulas era o fato de já ensinar a atroz gramática acompanhada de textos que recitava como o soneto do “Tertuliano, frívolo e peralta…” Também sua dedicação à poesia. Vindo das influências do romantismo-parnasianao. Pendia para a última tendência, pelo zelo vernacular, rigor na perfeição das formas. Deixou sonetos bem lavrados. É autor do hino do Congresso Eucarístico de 1948. Pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e à Academia goiana de Letras, onde foi sempre celebrado como secretário exímio, pela fidelidade nos relatos e a perfeição do texto. Nascido em primeiro de dezembro de 1908, merece o resgate de sua vida criativa, a republicação de sua obra Vibrações e textos esparsos e inéditos, inclusive alguns versos fesceninos que moram na lembrança de seus contemporâneos. Veia crítica e lúdica do poeta. Ao falecer em 1990, o Mestre José Lopes deixou heranças para várias gerações. A do professor, que naquele tempo os etefegeanos chamavam Mestre, com orgulho. A do intelectual, quando escrever, e até ler, eram ofícios da insanidade. O beletrista era olhado como um possível demente. Por isso, talvez, publicassem pouco. Um livro ou dois. A Academia Goiana de Letras, não se esquecerá de comemorar este ano seu centenário, quem sabe, com a edição de sua obra. Como homem de serena conduta franciscana, José Lopes não pleitearia esta homenagem. Mas a geração que o conheceu e poliu os sertões do Meia-Ponte deve isso ao seu poeta, que é daquelas pessoas com quem muita gente aprendeu ter fé na cultura, amor aos livros e até as ousadias da escrita. Não enriqueceram com as oportunidades de Goiânia. Não deixaram loteamentos, nem edifícios, nem bancos, nem indústrias, nem viraram prósperos e vazios políticos. Levaram sua vida ensinando, entre coisas, a beleza e o sentido que pode ter o dia do homem sobre a terra. José Lopes Rodrigues, é um desses que vai navegando no presente de nossas lembranças.
 

 Crônica publicada no Diário da Manhã, dia 14.03.08