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    Comunicação

    Uma Homenagem ao legado de João Amazonas

    Sem ti Depois da notícia de tua grande morte, Os teus camaradas, Reagem igual à árvore Que sente que o golpe do machado Decepou não o principal galho, Mas a raiz mais funda E fecunda, Embora não possam clamar da sorte, Pois tua vida, longa e prodigiosa, Lembra o rio Que banha o teu nome. […]

    POR: Adalberto Monteiro

    Sem ti
    Depois da notícia de tua grande morte,
    Os teus camaradas,
    Reagem igual à árvore
    Que sente que o golpe do machado
    Decepou não o principal galho,
    Mas a raiz mais funda
    E fecunda,
    Embora não possam clamar da sorte,
    Pois tua vida, longa e prodigiosa,
    Lembra o rio
    Que banha o teu nome.
    Acontece que uma raiz desse naipe,
    Ao perecer já deixou outras tantas.
    Então, a árvore
    Mesmo sem ti
    Mantém-se ereta.
    Venta um vento bravo
    E ela, sempre flexível, se verga
    Não se quebra.

    Teu partido, alimentado pelo legado
    De tua geração de bravos,
    É um animal visceral
    Por realizações e combates.
    Cravado no dorso da serpente
    Recebe contra si esguichos de veneno,
    Mas segue seu destino:
    Jamais abdica de seu elo com o povo,
    E dissemina o ideal da foice e do martelo.

    Teu partido é uma árvore frondosa:
    A copa busca cada vez mais o alto,
    A sombra rejuvenesce os exaustos,
    As flores injetam esperanças nas almas
    E as frutas saciam a fome das crianças e das aves.
    Os galhos são escudos, lanças e espadas.
    As raízes se espalham
    Pelo chão das fábricas,
    Pelo coração do povo
    E se projetam
    Ao fundo do solo pátrio.

    Os teus camaradas,
    Põem-se a estudar teus pensamentos,
    Os teus passos; embora,
    Como ensinaste
    Não ficam a celebrar teus retratos.
    Folheiam livros, jornais, revistas,
    Passam em revista a tua obra
    De onde jorra seiva viva.

    Um homem pequenino,
    Os cabelos
    Tinham a cor das nuvens
    Que cobrem os cimos.
    A voz era suave
    E alcançava o longe.
    Certa vez, em 1984, ele discursava;
    No vasto auditório
    Era tanto o silêncio
    Que até se podia ouvir
    O ruflar das asas de uma mosca…
    Ele argumentava que era
    Inadmissível negar a legalidade
    Justamente a um Partido de tantos mártires
    Da luta pela liberdade.
    Suas palavras não se impunham
    Pelo tom alto,
    Elas tinham o dom do alimento.

    Não cabe santificar
    Um homem tão humano,
    Uma existência prenhe de
    Acertos, realizações, enganos.
    É que pequenino soube ser um gigante.
    Entre as estrelas de brilho intenso de seu tempo,
    É a que mais permanece e se reconhece,
    Porque se pôs com os seus companheiros
    A reunir e unir os operários,
    A construir dia a dia, greve a greve,
    Eleição a eleição, luta a luta,
    Livro a livro,
    Uma fortaleza inteligente, viva e pulsante
    Que se apresenta ao combate:
    Ferro, aço, plumas, tubérculo, ipê flamejante.

    Uma fortaleza capaz de enfrentar
    A violência e a sabedoria milenar
    De oprimir e explorar
    Dos dominantes.

    As estrelas se fazem
    Mais belas
    Se ao invés de se contentarem
    Com o brilho solitário,
    Põem-se ao trabalho de estender trilhos
    No chão escuro e curvo do universo,
    E agregadas em comboios,
    Puxadas por locomotivas movidas a fogo,
    Fazem surgir no céu carrosséis luminosos.

    II

    Num mundo dividido,
    Desde cedo tomou partido.

    Houve muitas derrotas, umas tantas vitórias
    E uns poucos empates.
    Golpes, revoluções, democracias,
    Ditaduras, guerrilhas, exílios, tempestades,
    E alguma bonança – esse ziguezague que a história ama.
    Aos noventa anos ele ainda se lembraria
    Daquela madrugada – a liberdade e a lua em eclipse –,
    E ele hasteando, aos vinte anos, ao risco da vida,
    No alto da mais alta mangueira de Belém,
    A bandeira vermelha da qual jamais se afastaria.

    Operário pobre
    Teve a fortuna de sete vidas:
    Mil vezes os opressores festejaram sua morte,
    Mil vezes os oprimidos festejaram suas realizações,
    Mil vezes a pedra rolou ao pé da montanha
    Mil vezes voltou ao cume.
    Os que sugam a seiva alheia,
    Mil vezes proclamaram a
    Eternidade dos pesadelos
    E mil vezes o invento a que ele dedicou o melhor de si
    Repôs o sonho na consciência dos homens.

    III

    Há homens que, após terem comandado,
    Uma centena de cruentas batalhas,
    Se rendem numa refrega ordinária.
    Há outros que a tragédia os aniquila
    Injetando-lhes veneno sem antídoto.
    Outros, de duvidosa sorte,
    Têm breve existência.
    Poupados de riscos, situações extremadas
    Morrem belos.
    Mas há outros
    Que a vida lhes dá
    O privilégio e a prova de uma estrada longa.
    Por tanto caminho percorrido
    Não são soberbos
    Nem vaidosos,
    Mas têm a altivez e o orgulho
    Da classe que construiu
    Muito do que há de bonito e útil no mundo.

    IV

    Em 1962,
    Pôs-se com seus companheiros
    A reconstruir o navio
    Sem o qual os oprimidos
    Não fazem a travessia
    Do mar que os separa
    Do novo dia.

    Depois veio uma época terrível,
    A serpente era tão perversa
    Que para enfrentá-la,
    Além dos olhos gastos de leitura,
    Mais do que os dedos calejados
    De empunhar a pena,
    A história exigiu
    Que se empunhassem fuzis.
    Então mãos veteranas e juvenis
    Embrenharam-se na Amazônia,
    A cidade irmanou-se com o campo,
    E naquele oceano verde
    Foi aberta uma clareira,
    E na escuridão da ditadura
    Foi acesa uma lareira.
    Por quase três anos,
    O Araguaia virou uma estrela
    Que emitia sinais de luz.
    Custou muito sangue
    Mas o seu brilho
    Incutiu na alma brasileira
    A certeza de que Roma
    Cairia mais uma vez.

    E veio a anistia e a luz do dia,
    E mesmo que derrotados
    Os reacionários diziam em tom de zombaria:
    – É bom que se legalize o Partido Comunista
    Para que se veja sua pequenez.
    Muito golpeado por ter tido a ousadia
    De enfrentar a tirania,
    O Partido se refez com a rapidez
    Do verde que se alastra pela caatinga ou pelo cerrado,
    Depois das primeiras águas.

    V

    E veio o fim da União Soviética
    E veio um tremor de terra,
    Um abalo sísmico
    No mundo das idéias.
    Os opressores proclamaram:
    —A pátria sem amos,
    Dissolveu-se em bruma
    Ao alto as taças de champanhe:
    Um brinde ao fim da história
    E vida eterna ao czar!

    Neste tempo,
    Mesmo sob a luz do meio-dia
    Os pesadelos povoavam
    Os olhos dos homens,
    O mapa-múndi dos sonhos
    Reduziu-se a uma borra de sangue.
    Bandeiras rotas, roídas pelos ratos,
    Voltaram aos mastros pelas mãos
    De uma multidão entorpecida
    Embora fosse justa a ira.

    Ele convocou
    Os seus camaradas
    A vasculhar
    Os escombros
    Dos países, outrora belos,
    Então soterrados.
    Tão logo foi baixando a poeira
    Foi ficando claro
    Como o cupim corroeu
    As vigas,
    O porquê da aroeira ter se transformado
    Em madeira ordinária.

    Revelava-se uma vez mais
    Um homem de ação e pensamento.
    Um combatente qualquer fosse o front.
    Explicitou seus erros
    E os de seu tempo,
    E orientou o Partido
    A se fortalecer
    Com as lições dos equívocos.
    (Ele se assemelhava
    Ao boxeador que absorve
    E devolve os golpes que recebe).

    Ele rechaçou os covardes
    Que ante a derrota passageira
    Bateram-se em retirada,
    Jogando na lama os estandartes.
    Em busca de passaportes
    Para os bailes de gala, esses párias,
    Retiraram às pressas da bandeira
    Os símbolos dos que trabalham.

    Era, então, 1992,
    E o Partido Comunista do Brasil
    Realizava, sob um breu de dúvidas e incertezas,
    O seu 8º Congresso.
    Os opressores ironizavam – aproveitem,
    Pois será o oitavo e o último!

    A militância sabia:
    Era preciso desvendar novos caminhos.
    Ou se fazia o sonho renascer
    Ou se pereceria.

    Por isso aquele Congresso mais parecia
    Um mutirão de camponeses
    Que sabem que para viver é preciso
    Sempre semear,
    Mesmo que os brotos sejam cem vezes
    Devorados pelas pragas.

    Ele assumira um ar grave,
    E estudava e pensava, refletia e elaborava,
    Sabia que comandava uma batalha decisiva.
    Era um rumor de gente trabalhando,
    Era um Partido que sabia que não podia desertar.
    Os cérebros trabalhavam em três turnos,
    E as pessoas de tanto pensar
    Botavam fumaça pelos ouvidos.
    E eis que a sabedoria do coletivo
    Mais uma vez pôs o sonho de pé.

    Impulsionado por novas forças da ciência
    E do coração,
    O socialismo ressurgia renovado, rejuvenescido.
    Novamente, a ave embicava a cabeça em direção à lua,
    Novamente, a palmeira lançava
    O pendão em direção ao sol.

    Ele confidenciaria muito intimamente a si
    Que nos seus cálculos não eram descartadas
    Fraturas no casco
    Tal era a intensidade dos bombardeios.

    Mas, a nau, tantas foram as lutas,
    Tantos foram os estudos,
    Que o aço de seu casco
    Adquiriu uma blindagem inaudita,
    Além do que passou a ter poderes extraordinários.
    Se atingido por um torpedo, o casco em vez de aço
    Transformava-se numa membrana que cedia,
    Cedia e depois devolvia o petardo!

    VI

    Uma vez na Escola do Partido
    Ele explicaria como se traça uma tática justa.
    Um bom canoeiro, disse ele,
    Igual a Heráclito
    Sabe que um rio nunca é o mesmo.

    Não se navega e nem se banha
    Num rio duas vezes.
    Os bancos de areia são migrantes,
    E sobre as correntezas incide
    O princípio da incerteza.
    Por isso, as mãos ágeis
    Do canoeiro
    Golpeiam a água com o remo
    E a canoa acelera, retarda,
    Gira e se esquiva
    E escapa ilesa dos rochedos.
    O rio ensina que a boa rota
    Não é uma reta monótona
    Ela, também, tem linhas tortas.
    O rio ensina:
    Naufraga aquele que é prisioneiro
    De velhos caminhos;
    Se perde aquele
    Que não tem horizonte, nem destino.

    VII

    E veio o décimo Congresso
    E veio o outono da vida.
    E ele após ouvir delegado por delegado
    Concluiu que se partisse
    O Partido seguiria pleno de vida.
    Para ele,
    Poderia haver morte mais feliz?!
    Por isso, depois de ouvir a todos,
    Tomou a palavra,
    E o seu último discurso
    Foi um canto de louvor e confiança
    Ao Brasil, ao Partido e ao povo.

    Sua vida percorrera o século XX.
    O século chegava ao fim
    E a vida dele igual à de um rio
    Desembocava no mar.
    Mas antes de partir,
    A ele perguntaram
    – O que homem tão vivido
    Antevia para o século XXI?
    E ele que não desprezava o passado,
    E ele que teve os pés sempre ao presente bem atados
    E ele que, por método, sempre ia ao mirante
    Perscrutar o futuro, meio mago, meio sábio, disse:
    “— Em seus começos haverá sombras e luzes,
    Mais sombras do que luzes. Depois o quadro se inverterá.
    A Humanidade viverá tempos de grandes esperanças.”


    E morreu como prometera:
    No seu posto trabalho.
    Até os últimos dias manteve
    Sua fidalguia proletária.
    Todavia, antes de ir lavrou um pedido:
    “— As cinzas devem ser espalhadas
    Na região do Araguaia
    É uma forma de juntar-me
    Aos que lá tombaram”.

    Ele se foi, mas continua
    Nas lutas do Partido Comunista do Brasil,
    Sua maior obra, seu maior legado.
    Ele se foi, mas pulsa
    Nos corações dos que o amavam.
    Ele se foi, mas está presente
    Nas batalhas que os trabalhadores travam!
    Ele se foi, mas continua
    Nos nossos punhos cerrados!

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